quinta-feira, 2 de junho de 2011

"Só os profetas enxergam o óbvio"

Assim dizia Nelson Rodrigues a respeito de certos fenômenos que, por estarem tão debaixo dos nossos narizes, tornam-se invisíveis. E Ruy Castro completa: " o óbvio ulula para nós, clamando por reconhecimento e, apesar disso, passamos invictos por ele, com uma superioridade imbecil e alvar".
 Dentro do movimento que se iniciou nas redes sociais e  que culminou no quadro de manifestações "Fora Micarla" há que se pensar: até que ponto as redes sociais podem  influenciar a vida política de uma cidade ?
Que tipo de transformações sociais está ocorrendo com a disseminação de mídias sociais como os fóruns online, o Twitter, o Facebook etc.?












 A polêmica pode ser problematizada há algumas semanas quando dois estudiosos do assunto travaram um debate na revista Foreign Affairs.

De um lado está o professor de novas mídias da Universidade de Nova York, Clay Shirky, um ferrenho defensor da ideia de que as novas formas de comunicação instantânea podem afetar a vida social a ponto de afrontar ditadores. Segundo Shirky, a onda de protestos ocorridos nos últimos meses na África islâmica foram motivadas e organizadas pelas novas mídias.

Já o jornalista Malcolm Gladwell não compartilha com essa tese. Ele afirma que os últimos protestos no mundo árabe ocorreriam mesmo sem as facilidades tecnológicas de que dispomos. Um dos argumentos de Gladwell é o de que a internet gera mais um “ativismo de sofá” (muita teoria; pouca prática) do que levantes políticos. Ele acha que as redes não têm nenhuma influência nas revoltas, pois faz-se necessário apurar se há uma predisposição histórica da população em organizar esses movimentos, anterior à disseminação das redes sociais.

Há de se ressaltar as diferenças na abordagem do tema pelos dois autores. Clay Shirky tem a tecnologia (redes sociais, internet etc.) como objeto de pesquisa, digamos, em tempo integral. Em seu único livro publicado no Brasil, A cultura da participação – criatividade e generosidade no mundo conectado, o autor aborda as transformações sociais ocorridas com a disseminação do acesso à rede. Mostra como as pessoas podem usar o tempo livre para fazer algo de útil na rede, como publicar uma informação importante, dedicar-se a um trabalho humanitário, divertir-se ou até exercer o ativismo político.

Já Malcolm Gladewll é um jornalista que escreve sobre temas diversos e ocasionais – o que não o desqualifica para o debate. Ele é mais generalista. Autor de Fora de série, O ponto da virada e Blink – a decisão num piscar de olhos, o escritor e colaborador da New Yorker estuda os fenômenos sociais e suas coincidências. Seus livros têm uma “aura” de autoajuda e frequentemente são encontrados nas livrarias neste setor. Mas seus textos são mais profundos, encaixam-se mais em psicologia social. São uma espécie de “ensaios jornalísticos”, sem rigor acadêmico. Gladwell escreve munindo-se de fatos, estatísticas e análises comportamentais. Tinha como admirador nada menos do que David Foster Wallace (1962-2008).

Desconsiderando o peso da “especialização no assunto” por parte de Clay Shirky, tendo a concordar com ele no sentido de que o estreitamento da comunicação vem exercendo um importante papel na movimentação e organização de grupos, com consequências políticas. As novas mídias vêm exercendo a função de organizar “guetos” por afinidades. E eles são tão numerosos (em muitos casos, pequenos) e atuam de forma tão ágil que torna-se difícil a sua percepção pela academia ou pelo governo. Mas são atuantes, haja vista a última manifestação a favor da * construção da estação de metrô no bairro de Higienópolis, em São Paulo. O encontro foi tramado nas redes sociais.

A  volatilidade desses grupos e a rápida evolução tecnológica dificultam até uma análise detida do fenômeno. Essa agilidade modificou nossa forma de agir politicamente. Se antes usava-se mimeógrafo na produção de panfletos clandestinos para convocar protestos, hoje temos a instantaneidade do Twitter.

As redes sociais trouxeram novas formas de agremiação em pequenos grupos. A massificação padronizada está dando lugar a microssociedades com interesses diversos. De forma rápida, as pessoas combinam protestos/ações pela internet e se aglomeram no espaço público para reivindicar seus interesses, exercer ativismo político. Essa nova movimentação “subcutânea” de pequenos grupos requer novas formas de abordagem de estudo e consolida-se como matéria prima principalmente para a sociologia, psicologia e economia. Conciliar os múltiplos microinteresses em prol do “bem comum”, ideal político por essência, talvez seja o grande desafio das sociedades.
Texto: Welington Machado


Fonte: http://www.digestivocultural.com/colunistas/As_redes_sociais_e_a_politica



Nenhum comentário:

Postar um comentário