"O constante perigo de silenciar – sobre Circuito Ribeira e afins"
Por Ramilla Souza
(Foto do acervo pessoal de Evaldo Gomes, Casa da Ribeira antes da reforma)
Quando eu li o texto do Jota Mombaça “Theres no business like show business, I know”, comentei com um amigo. “É igual a boa parte dos textos dele: grosseiro além do necessário, injusto em muitos pontos, mas levanta duas ou tres coisas que ninguém mais teve coragem de dizer”. Com a resposta do Foca, fiquei pensando nesses “dois ou tres pontos”, em experiências passadas e algumas coisas que, bem, ninguém nunca teve coragem de dizer.
Para que fique claro, o Jota é meu amigo e eu o adoro. A relação sobreviveu aos imensos e constantes ataques ao Baixo de Natal por parte dele, ano passado, quando eu estava envolvida até cabeça no evento. A vantagem disso é que eu tenho liberdade o suficiente para criticá-lo publicamente e não conheço muitos amigos que possam fazer o mesmo. Priorizamos honestidade, ok?
Para o Foca, eu entendo o quão é irritante e frustrante trabalhar em algo pra que surja alguém do nada e faça um monte de acusações que, para nós, são completamente sem fundamento. Quando eu estava produzindo o Cultura em Debate, com um tremendo esforço e sem ganhar absolutamente nada, eis que aparece François Silvestre para nos chamar de canalhas (diga-se de passagem, a mesma palavra que o Jota usou para os organizadores do Circuito Ribeira). Eu nem lembro do que falava o texto, mas lembro que fiquei com muita raiva, o que gerou uma resposta nada simpática da minha parte.
O mesmo aconteceu no Baixo de Natal, como eu já citei. Pois bem, isso é um droga, mas a vida não é fácil e eu já entendi que os trolladores têm seu papel. Não dá pra pensar que, por mais que pra nós nosso trabalho seja urgente, necessário, um bem para o mundo, enfim, fruto do nosso esforço mais honesto, não vai haver alguém que ache nele algo a ser averiguado, questionado ou mesmo trollado. E é aí que entram pessoas como o Jota (ou o próprio Jota, já que eu não conheço mais ninguém em Natal que cumpra esse papel).
Vou dar um exemplo de como o silencio é noçivo: o Cena Aberta. O projeto desenvolvido pela Casa da Ribeira em 2009 e 2010 priorizava, em seu edital que os selecionados deveriam tratar de obras que “aborde questões contemporâneas. Uma produção comprometida com investigaçao de linguagens e sonoridades, elaborações críticas e intercâmbio entre áreas artísticas e outras áreas de conhecimento”.
Pois bem, saindo o resultado qual a minha (e a de muita gente) surpresa em ver que tinham sido premiados não só grupos e artistas que já tinham algum tipo de ligação com a Casa da Ribeira, como o grupo do próprio Henrique Fontes (Atores à Deriva), diretor artístico da Casa. Peraí, dinheiro público + edital + premiar alguém ligado diretamente à Casa da Ribeira?
E, outra coisa, onde ficou as “questões contemporâneas” e “investigação de linguagens” quando o grupo Elas e Cia foi selecionado em detrimento de várias projetos que se enquadravam mais na proposta do edital? Não dá pra entrar no mérito da questão do porque cada projeto foi selecionado, mas qualquer pessoa em sã consciência sabe que o Elas e Cia. faz o tipo de teatro mais padrão que existe e com pesquisa de linguagem zero, vamo combiná, ne?
Mas, esse não é o ponto onde eu quero chegar, mas sim, o fato de que eu ouvi muita gente questionando isso (as pessoas veem as coisas, sabe) a ponto do Cena Aberta ter sido carinhosamente apelidado de “panela aberta”. Mas, alguém, uma pessoa que fosse, trouxe isso à público? Não que eu saiba e eu me incluo nesse bolo também. Na época, meu pensamento foi “pra que eu vou brigar por isso e diminuir para zero minhas chances de um dia, quem sabe, ser aprovada num edital do Cena Aberta”. Falando agora, me sinto profundamente envergonhada de me apegar a questões tão pequenas e deixar a covardia tomar de conta, mas sei que esse é o pensamento geral.
Ninguém quer se queimar, ninguém quer correr o risco de ficar na geladeira. Eu não estou falando, vejam bem, que essa seria a atitude dos diretores da Casa, eu nem tenho fundamento pra fazer uma acusação dessas. Eu estou falando que voces precisam compreender o poder de intimidação que têm. É aquela velha história, numa cidade com tão poucas chances, a gente vai perder uma das poucas que existem?
Por mais que vocês “andem na contramão” e eu não duvido disso, não dá pra negar que Casa da Ribeira e Dosol são o que há de mais forte em termos de instituições de cultura em Natal. Não é todo mundo que vai correr o risco de colocar o dedo na ferida de vocës e, por outro lado, qual o espaço que é dado para isso? Porque quando o Jota perguntou sobre os custos do Circuito (a despeito de todas as grosserias), o Foca respondeu que tudo isso era repassado para a fundação de cultura, de acordo com a lei. Voce não entendeu, Foca. Nós queremos saber mais que isso, queremos saber qual o valor que voces dáo para cada artista, quanto voces ganham, enfim, qual a filosofia da produção do Circuito em relação a dinheiro. Porque, sim, tudo é muito lindo, tudo é festa, todo mundo tá se esforçando, mas por que não revelar esses dados? Qualquer questionamento feito vai ser respondido com essa esquiva? O Jota não foi a única pessoa que eu ouvi questionar sobre esses gastos, acredite. Ele foi o único que teve coragem de perguntar.
Outra coisa que me chamou atenção na resposta do Foca foi citar o Talma e Gadelha como mais uma vítima do Mombaça (eu ri agora escrevendo isso). Me perdoem se eu estiver errada, mas até onde eu sei o Jota disse que o disco era rococó (ri com isso também). Então, não se pode expressar um opinião? Eu acho que as duas questões têm uma forte ligação porque é a mesma coisa das pessoas ficarem em silêncio. Todo mundo ama o Talma e Gadelha e aí quando alguém faz uma critica não pode, o mundo acaba?
Quando eu falo que não aguento mais ler matéria de jornalismo cultural em Natal que fala das dificuldades que as pessoas tëm para continuar fazendo arte e trazendo esse bem pra humanidade, bla, bla, bla, é exatamente por parecer que a dificuldade, “andar na contramão” é maior e mais importante do que qualquer outra coisa. Então, parece que é assim que funciona: já que é tão difícil e a gente continua aqui, firme e forte, então, que, pelo menos, ninguém venha dizer que nossa trabalho/iniciativa não é a coisa mais linda já feita sobre a terra.
Gente, não é assim. Colocou a criança no mundo, vai ter que dar a cara pra bater. Se não tá a fim, só arrumando outro emprego. Qualquer iniciativa está sujeita a críticas e é assim que tem que ser, porque nossos projetos precisam do olhar de uma sociedade que nos vigie e critique. Infelizmente, pouca gente vai se dar a esse trabalho numa cidade pequena como Natal. Olha, sinceramente, se eu fosse uma das produtoras do Circuito Ribeira, ia agradecer ao Jota por estar disposto a cumprir esse papel.
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